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A mostrar mensagens de agosto, 2022

A menina que não sabia amar

  A menina que não sabia amar, via corações em todo o lado. Apaixonava-se pelo céu, sempre que olhava para ele. Apaixonava-se tão intensamente, tão rapidamente, que ninguém acreditava que era amor. Um dia, ela também deixou de acreditar. Se calhar nunca tinha, de facto, amado. Parecia-lhe uma ideia absurda: ela que amava tudo que era diferente, ousado, misterioso. Ela que amava amar... O amor quer-se lento, demorado. É por isso que, para ela, é tão difícil. Apaixona-se por tudo à primeira-vista e quando dá conta, o amor tem lhe passado ao lado.

Escrevo

Escrevo por não saber mais o que fazer. Escrevo por não saber o que dizer, o que pensar, o que sentir. Escrevo para me entender, perceber o que vai dentro deste ser – muitas vezes desconhecido. Escrevo por diversão, muitas vezes, aspirando libertação.

O dia em que ouvi o vento

 O rio nada para cima. Será um presságio que o mundo se vira ao contrário? Segue no colo do vento, arrastado por uma corrente desejada. As ervas e as copas das árvores, lá de cima, dançam em tom coordenado. O vento é a alma da Terra, a consciência eterna de todas as coisas e de todos os seres. Trás consigo os antepassados e os posfuturos que, sussurrando gentilmente ao ouvido, atravessam o ser, num arrepio bem-vindo. Conta histórias e profecias, mas quem o entende além das folhas? Acho que, algures no tempo, desaprendemos a ouvir o vento. Às vezes ouço-o gritar, a plenos pulmões, numa tentativa desesperada de nos captar a atenção. Mas, em vez de ouvir, escondemo-nos a sete chaves na nossa profunda ignorância, amedrontados do que não conhecemos. Hoje, no dia em que o rio nada para cima, ouvi o vento numa melodia translúcida: "numa quietude inquieta, observa, absorve e questiona e, quando o mundo se virar ao contrário, não tenhas medo do desconhecido, envolve-o num abraço e ouve, só

No dia em que o deixaste cair

Emprestei-te um pedacinho do meu coração e tu deixaste-o cair. Felizmente, não se partiu - era um pedacinho leve e a gravidade não teve grande efeito. Também eu sou desastrada, por isso compreendi. Às vazes as coisas escorregam, escapam-se entre os dedos e os nossos reflexos, entorpecidos por fatores externos (às vezes internos) não dão conta do recado. Ainda assim, assustei-me perante a possibilidade de ver aquele pequeno pedacinho de mim estilhaçado no chão. Achei melhor pedir-to de volta: talvez para o guardar numa gaveta segura; talvez para o entregar a alguém com as mãos mais firmes, com uma reação mais apurada. Não me magoou que o deixasses cair, mas fiquei triste, um tanto desiludida, por to pedir. Sempre acreditei que mo devolvesses num ato memorável de uma peça extraordinária. Tive que aceitar a mediocridade e não me lembro de nada mais triste do que o ordinário. Acredito que continues a ser um semi-deus - afinal não é a tristeza de uma pequena rapariga que tem o poder de muda

Eu só quero contar histórias

  Uma história.   Eu só quero contar histórias. Eu só quero viver histórias. Eu só quero criar histórias. Provavelmente pela ordem contrária. É de histórias que eu existo: Daquelas que aconteceram, daquelas que estão por escrever. Das fictícias e das verídicas. Que importa? (São detalhes...) A realidade e a imaginação inspiram-se mutuamente e o resultado dessa simbiose é tudo o que interessa.   Eu só quero contar histórias. Mas fico perdida nos entretantos: Nos espaços vazios, entre um parágrafo e depois outro. Nas páginas finas, entre um capítulo e depois outro.   Não tenho tempo que chegue para a minha vida. Não tenho tempo para viver histórias. Não tenho tempo para criar histórias. Não tenho tempo para contar histórias. Dêem-me tempo, ou antes:   Pare-se o tempo! Pare-se o tempo! Que Deus cruel, o Tempo.   - Ó Tempo, deixa-me contar histórias, tudo o que eu quero é contar histórias!      

Caleidoscópio

Os restos do sol contornam as formas do mundo, conferindo dimensão e profundidade a uma paisagem salpicada de pequenas estrelas sem brilho. Avista-se a Lua que, da sua altiva imponência inquieta a alma, seduzindo amantes e bandidos. Absorvo este cenário através de um caleidoscópio improvisado, refletindo múltiplas realidades infinitamente próximas, gritando do fundo do copo cheio de vazio: também ela, a tua existência, é feita de infinitas possibilidades!

Uma noite na ponte

  Era numa noite quente, daquela em que o peito se enche de água. A rua foi invadida por uma voz sussurrada, amplificada por mecanismos desconhecidos. Havia o som de guitarras, havia promessas de chamadas. A música. A música trazia a magia de uma língua desconhecida. E parou. Ficou suspensa entre enganos e cordas estragadas. Ficou esquecida entre bebidas e egos frágeis... E eis se não quando, a música volta! Chega subitamente e atravessa o ar numa frequência mais lenta. Vem disfarçada: uma tentativa de vencer o que já estava perdido. E quando se tenta o bastante, por vezes, chega-se onde se quer chegar. Mas... E se ninguém estiver a ouvir? Quem somos, quando ninguém está a ver? Ser-se-á artista, quando se está sozinho?     Ele aproxima-se devagarinho, e senta-se ao meu lado. Pergunta-me o nome e o meu trabalho. “Sou a Catarina e estou a escrever” “De que escreve a Catarina?” “Daquilo que está a acontecer” Ele senta-se na estrada

Uma noite à beira-rio

Um dia hei-de fazer uma peça, escrita numa nota melancólica, sobre este espelho inquieto pintado de pirilampos. Serás tu a trocá-la? Vejo a melodia, desenhada com cordas  exóticas e mãos ágeis. As mãos... Pergunto-me se serão seguras... Dançam sobre a viola delicadamente, mas parecem firmes. As aparências... Não quero falar sobre o que é parecer... Só pareço que sou. Chegou a voz. Veio tímida, com texturas graves e suaves, proferindo sons desconhecidos. Serão palavras? Serão lamentos ou murmúrios de sentimentos? Penso que são ecos de outros tempos. De um tempo, talvez, em que a realidade era mais real. Será isto a definição de magia? Um momento de entendimento de ritmos, onde o tempo não corre?  O ritmo... Sinto-o no corpo... Ora lento, ora rápido. Ora triste, ora alegre. Mas trás sempre a profundidade do rio: repleto de vida, com os seus rodopios deslizando sob um manto de paz.