Uma noite na ponte
Era numa noite quente, daquela em que o peito se enche de água. A rua foi invadida por uma voz sussurrada, amplificada por mecanismos desconhecidos. Havia o som de guitarras, havia promessas de chamadas.
A música.
A música trazia a magia de uma língua desconhecida.
E parou.
Ficou suspensa entre enganos e cordas estragadas. Ficou esquecida entre bebidas e egos frágeis...
E eis se não quando, a música volta! Chega subitamente e atravessa o ar numa frequência mais lenta. Vem disfarçada: uma tentativa de vencer o que já estava perdido. E quando se tenta o bastante, por vezes, chega-se onde se quer chegar.
Mas...
E se ninguém estiver a ouvir?
Quem somos, quando ninguém está a ver?
Ser-se-á artista, quando se está sozinho?
Ele aproxima-se devagarinho,
e senta-se ao meu lado.
Pergunta-me o nome e o meu trabalho.
“Sou a Catarina e estou a escrever”
“De que escreve a Catarina?”
“Daquilo que está a acontecer”
Ele senta-se na estrada
e faz música para mim,
eu sento-me a seu lado,
e escrevo a um ritmo desajeitado:
Foda-se!
Pára-se o trânsito,
pára-se o tempo.
Tento ser
além do que consigo ver.
Os meus dedos voam,
navegam sobre o abecedário,
numa tentativa de dar sentido,
de criar coerência,
nesta circunferência,
nesse ciclo de ideias.
Passa gente,
passa o tempo.
Eu não presto atenção,
não vejo qualquer direção.
Neste palco que é a vida,
nesta ponte de passagem,
ouço música desconhecida,
ouço um rito de viagem.
Os meus pensamentos não acompanham a cadência,
Mas a minha alma está lá.
Ele sabe que eu ouço,
e tocar uma alma
é o bastante para ser.
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